quinta-feira, 15 de julho de 2010

Cavaleiro da Eternidade

Herveu de Glanvill não quis entrar na praça conquistada.

Desembaraçou-se das armas, desceu lentamente o monte, por entre cinzas e escombros.

As riquezas não lhe interessavam.
Uma angústia vaga e indefinível sufocava-lhe a garganta.

Caminhou sozinho e a cada passo que dava, ia entrando no seu labirinto de sonhos e visões.

A missão estava cumprida, então porque experimentava aquele vazio?

Olhou Lisboa mais uma vez.
Era inacreditavelmente bela.
Fechou os olhos.
Era a cidade mais bela do mundo, e era sua, e por isso não a conseguia olhar, nem tocar, nem imaginar.
A fraqueza da cidade, a sua suavidade e delicadeza eram-lhe insuportáveis.
O seu sofrimento era-lhe contíguo e irmão, intolerável.

Caminhou sozinho e a cada passo tropeçava em cadáveres.

Caiu, levantou-se, sentiu um exército de mortos cavalgando sob o seu comando.

Olhou a toda a volta. Pareceu-lhe haver pedaços de ouro no rio, âmbar e madrepérola a reluzir nas encostas. Pareceu-lhe que nenhum tesouro da Terra o poderia satisfazer.

Pareceu-lhe ter regressado à juventude, à manhã chuvosa e fria de Glanvill em que se armou cavaleiro, depois de ter velado as armas durante toda a noite, ardendo em paixão mística e em febre e em raiva e em desespero.

Sentiu-se um cavaleiro da Eternidade, um irmão de Cristo, uma sombra errante, um anjo proscrito e vagabundo, um eremita confuso e enlouquecido, um homem, um homem sozinho.

Chorou.

Caminhou, e a cada passo que dava avançava montanhas e mares, cruzava reinos e cidades.
Chegou a Edessa, a Antioquia, a Jerusalém, e as cidades rendiam-se-lhe, mas ele prostrava-se a seus pés.

Pensou em Tarsis, a poetisa-guerreira, o seu anjo da guarda.
E o seu coração golpeou mais forte.
E uma música de flautas abrasou as colinas.
E um bando de gaivotas despedaçou o céu.
Pensou em Tarsis, a prostituta, a princesa que lhe fora prometida.
Não nas infantas com que sonharia de direito, mas com quem não sonhava de facto.
Tarsis era o seu facto, o seu sonho.

Caminhou como sonâmbulo, mergulhado num mundo fantástico, e quando chegou ao acampamento, Tarsis esperava-o como se sempre o tivesse esperado, pegou-lhe na mão e ele não precisou de acordar.
- 1147, O Tesouro de Lisboa

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